A nova divisão administrativa: História de Almeirim (21)- A querela da água


Em 1836 o Governo dirigido por Manuel da Silva Passos, que ficou conhecido como “Passos Manuel” faz publicar o novo Código Administrativo. Nesse Código Almeirim mantêm-se sede de Concelho com as seguintes cinco Freguesias : S. Estáquio de Alpiarça (Alpiarça); S. João Baptista (Almeirim); Santa Marta de Monção (Benfica do Ribatejo); Santo António da Raposa ( Raposa) e a Paróquia de Muge (Muge).

A grande alteração está no facto de Alpiarça, que até então pertencia administrativamente a Santarém, passar a pertencer ao Concelho de Almeirim. A história da relação entre as duas terras é muito curiosa e não chegará a completar um século. Mais do que fazer uma narração, prefiro deixar uma história curiosa dessa relação e que sintetiza os momentos de união e de separação.


A querela da água. Origem da animosidade entre Almeirim e Alpiarça.


A aldeia da Ponte de Alpiarça teve um forte desenvolvimento a partir da venda em hasta pública das terras e património das Ordens religiosas e também do Infantado. Em Alpiarça instalaram-se muitos novos Lavradores, que adquiriram parcelas desses patrimónios.
Almeirim mantinha nessa época ainda uma dominância de casas fidalgas, que nas suas imediações tinham grandes propriedades. Eram estes fidalgos de Almeirim homens importantes, alguns deles Pares do Reino, como o Conde da Taipa, o Conde da Torre e o Duque de Cadaval, mas também outros grandes senhores como o Conde de Sobral, o Barão de Almeirim, o Barão de Alvaiázere, o Conde da Atalaia e a Marquesa da Alorna.
A aldeia de Alpiarça fora colocada sob a dependência administrativa de Almeirim, pela reforma de Passos Manuel, tendo ele próprio adquirido património nesse local, ou herdado por ser casado com uma senhora da família Sousa Falcão, que ainda hoje em dia é pertença de seus descendentes e herdeiros, a quinta da Torre.
Como resultado directo da Revolução Liberal, Alpiarça teve uma maior dinâmica de crescimento, pois esses novos Lavradores passaram a fazer uma exploração empresarial das terras adquiridas, enquanto em Almeirim ainda vigorava um regime de exploração da propriedade mais do tipo feudal, com recurso ao regime da enfiteuse, do foro e do arrendamento. A grande casa agrícola de Alpiarça era a da família de Sousa Falcão, que teve uma enorme importância na divulgação de novas técnicas culturais e na mecanização em toda a agricultura portuguesa. Esta dinâmica empresarial irá chegar a Almeirim, até como muito mais intensidade e dinamismo, mas em momento posterior, em que assume particular importância o facto da Quinta da Alorna ter sido vendida em 1843, a José Dias Leite Sampaio, o Barão da Junqueira, que sendo um magnata de Lisboa, faz grandes investimentos que irão contribuir para uma mudança radical de toda a agricultura almeirinense e a posterior alteração da estrutura fundiária e social.
A integração administrativa de Alpiarça no concelho de Almeirim, veio a originar uma situação de permanente participação conjunta de elementos das duas terras na Vereação e na Presidência da Câmara. Foram treze os Presidentes da Câmara de Almeirim no período desde 1839 até ao ano de 1894, que eram habitantes de Alpiarça e quando não tinham a presidência era-lhes sempre garantida a vice-presidência. Tudo isto representava uma atitude de bom senso político, que conseguia manter um equilíbrio e um bom relacionamento, entre a sede do concelho e a sua aldeia mais importante.
Porém em 1894, sendo Presidente o almeirinense Deodato Rodrigues Pisco e Vice- Presidente por Alpiarça, António da Silva Patrício, estabeleceu-se uma querela que viria a originar uma animosidade entre as duas populações, que está na origem de toda a acção reivindicativa de transformação em Concelho de Alpiarça, o que só veio a acontecer em 1914, já em plena República, seis anos depois de ter sido elevada à categoria de Vila, o que aconteceu portanto, durante o reinado de D. Manuel II.
Tudo começou pela proposta do Presidente da Câmara, de utilizar metade de um fundo, que estaria depositada na Caixa Geral de Depósitos, para construir uma Capela no Cemitério e para fazer obras de abastecimento de água na sede do Concelho. O Vice-Presidente reivindica também verbas para obras de abastecimento de água em Alpiarça, que bem carecia, porquanto muitos utilizavam a água férrea da fonte da Atela, perto do Casalinho, longe portanto, ou então, todos os que não tinham poços em suas casas, tinham de mendigar aos mais abastados a água para beber.
A querela tomou tais proporções, que á inauguração da nova Igreja de Alpiarça, que decorreu no dia 11 de Agosto daquele ano, não compareceu nem o Presidente da Câmara, nem ninguém de Almeirim. Estava estabelecida a animosidade, que com esta reacção ainda mais se agudizou e servirá de pretexto em Alpiarça para um movimento reivindicativo que se generalizou por toda a população, que visava a sua classificação como Vila e a sua autonomia como sede de concelho.
Em Almeirim esta querela da água, associada ao movimento separatista que passou a ganhar consistência, originou uma reacção popular que era expressa na seguinte imagem…se querem ser independentes irão andar para trás pois tem sido Almeirim que tem apoiado o desenvolvimento de Alpiarça…de uma forma mais simplificada passou o povo almeirinense a dizer…fiquem com a vossa água e andem para trás…que se veio a simplificar ainda mais…”beber água de Alpiarça é andar para trás”.
Esta era a frase que ofendia os habitantes de Alpiarça, que tantas e tantas vezes foi proferida pelos de Almeirim, que ficou como símbolo da animosidade entre as duas terras. Ainda em meados do século vinte era frequente ser pronunciada depreciativamente pelos almeirinenses quando se referiam aos habitantes da terra vizinha.
A animosidade provocada pela querela da água, entre os habitantes de Almeirim e Alpiarça, foi até evidenciada no Parlamento quando da apresentação da proposta de Lei de elevação de Alpiarça a sede de Concelho e por muitos deputados foi feita a interpretação, que a proposta apenas tinha como motivação a animosidade entre as duas terras. A proposta acabou por ser aprovada, mas com muitos votos contrários. Valeu o prestígio e a influência do deputado José Relvas, que bem se esforçou nesse momento, para conseguir mobilizar os votos suficientes para a sua aprovação.

Sem comentários:

Enviar um comentário