Um grande Benemérito de Almeirim; O Conde da Taipa -História de Almeirim (22)


Após o período da guerra civil (1828-1834), consolida-se em Portugal a Monarquia Constitucional. É agora rainha D. Maria II e profundas alterações se irão produzir, pela emergência de uma nova nobreza, pelo surgimento de uma burguesia com influência económica e politica e pelo surgimento de uma classe dominante no mundo rural, que prioritariamente de instala no Ribatejo, os Lavradores. A estes Lavradores se ficará a dever uma boa parte da evolução económica, através da modernização da agricultura portuguesa.

Almeirim foi o centro de toda uma transformação radical dos processos agrícolas, foi o centro de divulgação da mecanização agrícola, que originou a sua modernização e o seu desenvolvimento, podendo mesmo afirmar-se que Almeirim na década de quarenta do século XIX, foi o mais importante centro nacional de experimentação agrária e da sua mecanização.


Para que se perceba melhor porque assim foi, é preciso recordar algumas personagens, que foram decisivas pela sua acção e influência política na época. O primeiro que devemos enaltecer é o Conde da Taipa, que foi o grande e incansável lutador e promotor das duas obras que vieram trazer a nova vocação a Almeirim e estão na base de toda a sua evolução até aos nossos dias. A obra de enxugo e drenagem do Vale de Tejo, que entre nós se costuma chamar “obra da Vala de Alpiarça” e a localização da ponte sobre o Tejo entre Santarém e Almeirim, que irá permitir o escoamento e a ligação fácil dos produtos aos mercados, pela utilização do comboio.


D. Gastão da Câmara Coutinho Pereira de Sande era almeirinense nascido em 1794, filho de D. Luís e neto de D. Gastão da Câmara Coutinho, aquele que recebeu D. José I em sua casa, quando da última estadia da Corte em Almeirim.


Muito jovem foi com a Corte para o Brasil em 1807. Foi assim educado junto de D. Pedro e de D. Miguel, futuros reis de Portugal. No Brasil iniciou a sua carreira militar e voltou para Portugal juntamente com toda a Corte de D. João VI, no ano de 1821. Da sua amizade com D. Miguel, resultarão as inúmeras estadias do Infante em Almeirim e também a sua participação na Vilafrancada.


Com o juramento do Rei D. Miguel da Carta Constitucional, em 1826, é nomeado Par do Reino e inicia uma brilhante carreira política, passando para a história a sua indiscutível coragem e determinação. A sua mais destacada acção politica irá ser a de assumir o principal protagonismo na defesa da conciliação entre a Constituição de 1822 e a Carta Constitucional. Participou na “Belfastada” ao lado do Duque de Saldanha, seu amigo e como ajudante de ordens do Duque de Palmela. Teve por consequência uma acção política e militar determinante de que resultou a Constituição de 1838. De entre os episódios mais notáveis de que foi protagonista, destaca-se a carta que escreveu a D. Pedro IV e que publicou, exigindo o levantamento dos sequestros, a liberdade de todos os sequestrados e a liberdade de imprensa, o que lhe valeu a ordem de prisão. Essa prisão do Conde da Taipa, originou um movimento de apoio de muitos outros Pares do Reino, seus amigos e alguns deles com ligações patrimoniais a Almeirim, como o Duque de Palmela e o Conde da Torre, D. José Trazimundo de Mascarenhas, neto da Marqueza da Alorna “Alcipes”, que era seu cunhado.


D. Gastão, o Conde da Taipa foi também amigo de Almeida Garret e acompanhou-o durante as suas visitas ao Ribatejo, sendo um daqueles a quem o escritor dedica “as Viagens da Minha Terra”. Casado com D. Francisca de Almeida e Portugal, Condessa de Valada, não teve descendência. Seus herdeiros dos títulos, foram seus irmãos Manuel e José, respectivamente 2º e 3º Conde da Taipa, mas que nunca chegaram a ter uma relação de interesse por Almeirim, tendo vendido todo o património local herdado.


Para melhor perceber quanto era influente e respeitado em Almeirim, basta relembrar o que escreveu o médico Tiago do Couto, que aqui vivei entre 1855 e 1859, no seu livro “Breve Notícia de Almeirim”, que foi editado pela Associação de Defesa do Património em 1991 e que aconselho vivamente a todos.


“…de Verão há mais animação na Vila; há os descantes, os bailes de roda, as eiras, as descamisadas dos milhos e após elas os fabricos dos vinhos, em suma há mais distração mas a convivência é pouca…Quando Sua Exª, o senhor Conde da Taipa está em Almeirim o que sucede frequentes vezes no ano, então o caso é outro. Recebe em sua casa alguns indivíduos em cujo número eu entro. Fala-se da Lavoura, de literatura, de tudo; e sua Exª então mostra a vastidão dos seus conhecimentos científicos. O tempo assim não corre – voa.”


A rua Conde da Taipa é a única referência actual a este Homem, que foi essencial para o progresso da sua terra, Almeirim. Nessa rua ainda está, apesar de muito modificada, não tanto na traça e mais nos revestimentos de pedra das cantarias e fachadas, a casa onde viveu e nessa época, todos as terras que iam para o lado de Alpiarça eram dele, incluindo a Gouxaria, que acabou por destacar após partilhas, com seu cunhado D. José Trazimundo Mascarenhas. Essa casa depois de sua morte em 1866, foi comprada a seus herdeiros, por um seu amigo e administrador, Manoel de Andrade, que era meu trisavô.

A nova divisão administrativa: História de Almeirim (21)- A querela da água


Em 1836 o Governo dirigido por Manuel da Silva Passos, que ficou conhecido como “Passos Manuel” faz publicar o novo Código Administrativo. Nesse Código Almeirim mantêm-se sede de Concelho com as seguintes cinco Freguesias : S. Estáquio de Alpiarça (Alpiarça); S. João Baptista (Almeirim); Santa Marta de Monção (Benfica do Ribatejo); Santo António da Raposa ( Raposa) e a Paróquia de Muge (Muge).

A grande alteração está no facto de Alpiarça, que até então pertencia administrativamente a Santarém, passar a pertencer ao Concelho de Almeirim. A história da relação entre as duas terras é muito curiosa e não chegará a completar um século. Mais do que fazer uma narração, prefiro deixar uma história curiosa dessa relação e que sintetiza os momentos de união e de separação.


A querela da água. Origem da animosidade entre Almeirim e Alpiarça.


A aldeia da Ponte de Alpiarça teve um forte desenvolvimento a partir da venda em hasta pública das terras e património das Ordens religiosas e também do Infantado. Em Alpiarça instalaram-se muitos novos Lavradores, que adquiriram parcelas desses patrimónios.
Almeirim mantinha nessa época ainda uma dominância de casas fidalgas, que nas suas imediações tinham grandes propriedades. Eram estes fidalgos de Almeirim homens importantes, alguns deles Pares do Reino, como o Conde da Taipa, o Conde da Torre e o Duque de Cadaval, mas também outros grandes senhores como o Conde de Sobral, o Barão de Almeirim, o Barão de Alvaiázere, o Conde da Atalaia e a Marquesa da Alorna.
A aldeia de Alpiarça fora colocada sob a dependência administrativa de Almeirim, pela reforma de Passos Manuel, tendo ele próprio adquirido património nesse local, ou herdado por ser casado com uma senhora da família Sousa Falcão, que ainda hoje em dia é pertença de seus descendentes e herdeiros, a quinta da Torre.
Como resultado directo da Revolução Liberal, Alpiarça teve uma maior dinâmica de crescimento, pois esses novos Lavradores passaram a fazer uma exploração empresarial das terras adquiridas, enquanto em Almeirim ainda vigorava um regime de exploração da propriedade mais do tipo feudal, com recurso ao regime da enfiteuse, do foro e do arrendamento. A grande casa agrícola de Alpiarça era a da família de Sousa Falcão, que teve uma enorme importância na divulgação de novas técnicas culturais e na mecanização em toda a agricultura portuguesa. Esta dinâmica empresarial irá chegar a Almeirim, até como muito mais intensidade e dinamismo, mas em momento posterior, em que assume particular importância o facto da Quinta da Alorna ter sido vendida em 1843, a José Dias Leite Sampaio, o Barão da Junqueira, que sendo um magnata de Lisboa, faz grandes investimentos que irão contribuir para uma mudança radical de toda a agricultura almeirinense e a posterior alteração da estrutura fundiária e social.
A integração administrativa de Alpiarça no concelho de Almeirim, veio a originar uma situação de permanente participação conjunta de elementos das duas terras na Vereação e na Presidência da Câmara. Foram treze os Presidentes da Câmara de Almeirim no período desde 1839 até ao ano de 1894, que eram habitantes de Alpiarça e quando não tinham a presidência era-lhes sempre garantida a vice-presidência. Tudo isto representava uma atitude de bom senso político, que conseguia manter um equilíbrio e um bom relacionamento, entre a sede do concelho e a sua aldeia mais importante.
Porém em 1894, sendo Presidente o almeirinense Deodato Rodrigues Pisco e Vice- Presidente por Alpiarça, António da Silva Patrício, estabeleceu-se uma querela que viria a originar uma animosidade entre as duas populações, que está na origem de toda a acção reivindicativa de transformação em Concelho de Alpiarça, o que só veio a acontecer em 1914, já em plena República, seis anos depois de ter sido elevada à categoria de Vila, o que aconteceu portanto, durante o reinado de D. Manuel II.
Tudo começou pela proposta do Presidente da Câmara, de utilizar metade de um fundo, que estaria depositada na Caixa Geral de Depósitos, para construir uma Capela no Cemitério e para fazer obras de abastecimento de água na sede do Concelho. O Vice-Presidente reivindica também verbas para obras de abastecimento de água em Alpiarça, que bem carecia, porquanto muitos utilizavam a água férrea da fonte da Atela, perto do Casalinho, longe portanto, ou então, todos os que não tinham poços em suas casas, tinham de mendigar aos mais abastados a água para beber.
A querela tomou tais proporções, que á inauguração da nova Igreja de Alpiarça, que decorreu no dia 11 de Agosto daquele ano, não compareceu nem o Presidente da Câmara, nem ninguém de Almeirim. Estava estabelecida a animosidade, que com esta reacção ainda mais se agudizou e servirá de pretexto em Alpiarça para um movimento reivindicativo que se generalizou por toda a população, que visava a sua classificação como Vila e a sua autonomia como sede de concelho.
Em Almeirim esta querela da água, associada ao movimento separatista que passou a ganhar consistência, originou uma reacção popular que era expressa na seguinte imagem…se querem ser independentes irão andar para trás pois tem sido Almeirim que tem apoiado o desenvolvimento de Alpiarça…de uma forma mais simplificada passou o povo almeirinense a dizer…fiquem com a vossa água e andem para trás…que se veio a simplificar ainda mais…”beber água de Alpiarça é andar para trás”.
Esta era a frase que ofendia os habitantes de Alpiarça, que tantas e tantas vezes foi proferida pelos de Almeirim, que ficou como símbolo da animosidade entre as duas terras. Ainda em meados do século vinte era frequente ser pronunciada depreciativamente pelos almeirinenses quando se referiam aos habitantes da terra vizinha.
A animosidade provocada pela querela da água, entre os habitantes de Almeirim e Alpiarça, foi até evidenciada no Parlamento quando da apresentação da proposta de Lei de elevação de Alpiarça a sede de Concelho e por muitos deputados foi feita a interpretação, que a proposta apenas tinha como motivação a animosidade entre as duas terras. A proposta acabou por ser aprovada, mas com muitos votos contrários. Valeu o prestígio e a influência do deputado José Relvas, que bem se esforçou nesse momento, para conseguir mobilizar os votos suficientes para a sua aprovação.

O Legado do Rei D. Miguel I. História de Almeirim (20)


I Infante D. Miguel era o mais rico homem de Portugal. Depois do assassínio de seu pai o Rei D. João VI, foi Regente e mais tarde aclamado Rei de Portugal. Ele é aclamado Rei em Almeirim em 1828, na presença do Juíz José Casimiro Salgado e com o apoio popular. Acusaram-no então os liberais de usurpador do trono e gerou-se uma gravíssima crise, que veio a originar uma guerra civil, que só veio a terminar com a convenção de Évora Monte em 1834 e o exílio de D. Miguel.
Durante esta guerra civil são narrados em 1833, levantamentos liberais em Almeirim quando as tropas do Rei, estavam sediadas em Santarém. Após a tomada de Santarém a 18 de Maio de 1834, as tropas liberais atravessam o Tejo e entram em Almeirim, onde há notícias de saqueamento do Paço, descrito por alguns historiadores, que confirmam assim que nessa época ainda existia o edifício, ou pelo menos uma parte dele . Em Almeirim acontece então o Auto de Aclamação da rainha D. Maria II e do Regime Constitucional. É na sequência desta aclamação, que é nomeado o Dr. João César Henriques como primeiro presidente liberal da Câmara de Almeirim.
É também na sequência da vitória liberal e imediatamente após a convenção de Évora Monte , que se extinguem as Ordens Religiosas e se nacionalizam todos os seus bens. Esta medida irá ter uma enorme influência para a evolução futura de Almeirim. Dessa evolução e dos seus principais agentes e protagonistas, trataremos nos próximos capítulos.
Agora realcemos a particular importância de um legado de D. Miguel I, para Almeirim, para o Ribatejo e para Portugal.
D. Miguel tem um papel determinante na restauração das Corridas de toiros em Portugal e também como iniciador de uma nova forma de seleccionar e criar toiros bravos. É a ele que se deve toda a moderna evolução tauromáquica nacional, que nos distingue de Espanha e que origina o mais popular dos espectáculos nacionais até meados do século XX.
Desde que o Marquês do Pombal decretara o fim das Corridas Reais, em sequência da morte do Conde de Arcos numa corrida em Salvaterra de Magos, a Tauromaquia tinha entrado em estado latente de expressão, pela não participação dos nobres nos festejos tauromáquicos. Havia em Lisboa a Praça de Salitre e continuou a haver muitos festejos tauromáquicos locais, mas sem ordem nem rigor, que os transformava mais em “largadas de toiros”, do que em espectáculos de natureza artística. Foi D. Miguel que tudo mudou.
D. Miguel, ele próprio cavaleiro toureiro, recebeu de oferta de seu tio Fernando VII, rei de Espanha, uma vacada e cria a primeira ganadaria portuguesa, com características adaptadas à evolução do toureio moderno. Essa ganadaria que instala em terras do Infantado, na zona de Samora Correia, chegou a ser a maior ganadaria de toda a Península com mais de 5.000 reses. Esta ganadaria é a origem de muitas outras, que posteriormente surgirão, através da aquisição de “pontas de vacas” e de sementais, dos Lavradores ganadeiros que se irão instalar nos campos do Ribatejo.
D. Miguel manda construir a Praça de Toiros do Campo de Santana e é essa praça que irá assumir o protagonismo do relançamento dos espectáculos tauromáquicos e da afirmação do toureio equestre português. O êxito dinamizador da Praça do Campo de Santana foi tão importante, que origina que por todo o país, de Norte a Sul, centenas de novas praças de toiros sejam construídas para ver actuar as figuras do Conde do Vimioso, do Marquês de Vilar Maior, de Carlos Relvas e a nova ordem que incluía já os Forcados, pegando os toiros como culminar das lides.
Muitas foram as estadias em Almeirim de D. Miguel, que sempre motivavam organização de touradas, quer na Alorna, na Goucharia e mesmo nos largos da Vila. Esta semente de aficionados que D. Miguel recriou em Almeirim, terá como consequência o estabelecimento de muitos criadores de toiros no Concelho, o surgimento muitos e destacados almeirinenses toureiros, de que ainda há sucessores de grande destaque nacional, nesta primeira década do século XXI. Será a razão que motivou a existência das mais de nove praças, que estão identificadas como tendo existido em Almeirim, como resultado natural da popularidade que a tauromaquia aqui sempre teve, pois Almeirim foi efectivamente em termos históricos o “berço” da tauromaquia portuguesa.
O Infantado foi nacionalizado e todo o seu vasto património fundiário irá ser vendido em hasta pública. Da venda pública deste património e também do das Ordens Religiosas, irá surgir uma nova classe social determinante para a dinâmica nova que surgirá através deles, os Lavradores do Ribatejo.

Estagnação; Alcipes e o pré romantismo – História de Almeirim (19)


No período que decorre entre o terramoto de 1755 e as Invasões francesas, Almeirim é objecto de diversas tentativas para criar uma nova vocação para a Vila.
Em 1771, na Quinta do Vale de Nabais (Alorna) é iniciada uma enorme plantação de amoreiras, com o objectivo de produção de seda. Esta plantação decorre muito provavelmente do que tinha observado D. João de Almeida, quando da sua estadia na Índia, acompanhando seu pai D. Pedro que foi o 32º Vice Rei da Ìndia. Criar em Portugal um centro de produção de seda foi assim a primeira ideia consistente para dar uma nova vocação a Almeirim. Na sequência desta experiência e nova visão, a Junta da Administração das Fábricas decide instalar em Almeirim a real Fábrica de Algodões da Vila, no ano de 1772. No entanto esta iniciativa não veio a ser consistente porquanto dois anos depois esta fábrica é transferida para Alcobaça, por alvará régio. Mantêm-se porém em Almeirim escolas de fiação e ainda uma secção (partido) manufactureiro de tecidos.
Tinha entretanto, toda a região sido negativamente afectada com o decreto do Marquês do Pombal que impôs o arranque de todas as vinhas do Ribatejo. Pretendia-se com ele dar uma vocação cerealífera aos campos do vale do Tejo e salvaguardar a produção de vinho do Douro. Não era fácil motivar a produção de cereais nos campos do Ribatejo, pela frequência das cheias que introduziam um adicional factor de risco para esse tipo de aproveitamento cultural.
É assim que, durante cerca de quarenta anos, Almeirim está sujeita a um certo impasse pois não foi encontrada uma nova vocação de sucesso, que promovesse sustentadamente o seu desenvolvimento. A coutada real já não era frequentada e a sua guarda não impedia a caça furtiva e a recolha ilícita de mato para estrume das hortas e da agricultura de subsistência que os naturais iam fazendo. Essa ausência de fiscalização, associada aos descuidos, deram origem a vários incêndios alguns deles de elevada proporção.
É precisamente nesse período, em 1792, que o Príncipe Regente D. João VI, ordena a demolição o Paço de Almeirim e nomeia o Conde Soure como provedor dessa execução. Nessa decisão extinguem-se os cargos de almoxarife do Paço, de escrivão, de mestre de obras e de relojoeiro. Curiosamente nessa ordenação dava-se a instrução para que todos os destituídos desses cargos teriam direito a serem pagos, enquanto fossem vivos. Esta ordenação de demolição vai durar muitos anos até ser integralmente cumprida.
Foi também nesse período que se instalou em Almeirim a poetisa Alcipes, Dona Leonor, futura Marquesa da Alorna, na companhia de seu pai D. João de Almeida Portugal, após um prolongado cativeiro de 18 anos, por ser da família Távora e pela acusação de ter emprestado uma espingarda aos conjurados do atentado real. Dona Leonor permanece em Almeirim, onde certamente escreveu muitos dos seus poemas, até ao ano de 1779, quando se casou com o Conde de Oyenhausen e viajou com ele para Viena de Austria. Só voltará a Almeirim após as Invasões Francesas e então aqui permanece primeiro numa luta tenaz pela recuperação do património que fora confiscado a seu irmão D. Pedro, acusado de traidor e condenado à morte por D. João VI e depois vivendo faustosamente e organizando no Palácio da Alorna os célebres saraus políticos e culturais, onde se divulgavam os ideias liberais, de que era militante activa pois foi fundadora da célebre Sociedade da Rosa, organização determinante na difusão do movimento liberal.
Almeirim foi assim também um palco importante do pré romantismo e a Alorna um centro cultural de grande relevo histórico.

Novamente o “Espírito de Almeirim” – Invasões Francesas – História de Almeirim (18)

A Revolução Francesa, o Império Napoleónico e as Invasões Francesas, irão influenciar toda a política nacional e provocar grandes alterações sociais e económicas que se exprimirão em Portugal através da Revolução Liberal e da Guerra Civil.
Almeirim foi palco de um notável e importantíssimo episódio que foi decisivo para a preservação de Portugal como Reino, durante a 3ª Invasão comandada pelo General Massena.
Massena e suas tropas chegaram até Santarém e aí estacionaram, com o objectivo de cercar Lisboa e conseguir vencer Beresford. Para tal definiam como estratégia essencial atravessar o Tejo para cercar a capital também pela margem sul. O Comandante da Legião Portuguesa ao serviço de Napoleão era D. Pedro de Almeida e Portugal, o 3º Marquês da Alorna e por conseguinte um almeirinense.
A população de Santarém foge com a chegada de Massena e pelo porto de Alfange atravessa o Tejo e refugia-se em Almeirim e Alpiarça, onde é muito bem acolhida.
As tropas Luso-Britanicas, mais propriamente o Comando de cavaria 10, comandadas pelo Visconde de Barbacena, acampam no campo de Almeirim para evitarem a travessia de Massena e da Legião Portuguesa. Como curiosidade refira-se que integrava esse corpo de cavalaria o jovem Alferes Bernardo de Sá Nogueira, futuro Marquês de Sá da Bandeira. Durante essa estadia fazem os franceses diversas tentativas de atravessar o Tejo, sempre infrutíferas pois são sistematicamente derrotadas pela acção deste exercito que teve sempre o apoio da população de Almeirim e Alpiarça. Este apoio não foi apenas logístico mas também de participação directa em todas as lutas e escaramuças que se sucederam, durante um largo período de tempo. Esta população heroica , tinha ainda presente o tão nobre Espírito de Almeirim e contribuiu decisivamente para a derrota da ultima tentativa de Napoleão Bonaparte de conquistar o Reino de Portugal.
Como consequência directa da participação do 3º Marquês da Alorna ao lado de Napoleão, o Príncipe Herdeiro D. João, futuro Rei, confisca todos os seus bens e declara a sua condenação à morte. D. Pedro de Almeida Portugal acaba por vir a morrer na campanha da Russia, ainda ao serviço do Imperador. Uma parte da Quinta da Alorna ( o Mouchão de Alfange) é destacada e entregue como mercê ao Barão de Alvaiázere. Uma parte de um destacamento da Coutada Real, na zona de Alpiarça, é entregue como mercê a João de Sousa Falcão, que recebe em 1814, também o título de Visconde de Alpiarça. A partir de então a família Sousa Falcão passa a ser a família dominante da então aldeia de Alpiarça, que só posteriormente através da reforma administrativa de Passos Manuel, passou a integrar o Concelho de Almeirim.
O importante agora é registar que esta estadia das tropas Luso-Britanicas nos campos de Almeirim, criaram em vários dos militares aqui estacionados laços com os locais e alguns deles passaram vieram a adquirir património no local, nomeadamente o Marquês de Sá da Bandeira.
A estrutura fundiária de Almeirim foi mantida com grandes domínios territoriais, mantendo-se os anteriores e agora com outros que passarão também a integrar a classe dominante.

Os Grandes Proprietários de Almeirim, de antes do Liberalismo. História de Almeirim (17)

D. Pedro de Almeida - 32º Vice Rei da Índia
O relatório do Padre Gaspar Coelho da Silva de 1758, dá conta da afectação que sofreu o Paço e a Capela Real de Almeirim, em consequência do terramoto de 1755, que está comprovado que Almeirim, atingiu o grau 7 de acordo com moderna escala de Richter. O Paço foi afectado mas não ruiu, o que infelizmente aconteceu com a magnífica e imponente Capela Real.
Já narramos a última estadia do Rei D. José I e de sua Corte, no ano de 1767. Esta estadia marca o final da Vila Real e o início de um outro processo, com uma dinâmica já rural e mercantilista, que permite manter a população existente e uma curiosa história de diversas tentativas de vocação, que no decorrer dos cem anos subsequentes irão acontecer.
Comecemos por referir que desde D. Pedro II, passou a haver uma tendência para a constituição de grandes propriedades de alguns fidalgos e também das ordens religiosas, não apenas daquelas, que tinham conventos em Almeirim, mas também das que tinham sedes em Santarém.
O primeiro fidalgo a criar na zona um grande conjunto patrimonial e passar a ser o maior proprietário da região é o 3º Duque de Palmela, que deve ter recebido de dote real, toda essa enorme propriedade que estava sobranceira a toda a margem esquerda da Ribeira de Muge. D. Jaime, o 3º Duque de Palmela, casou com a Infanta ….filha do Rei D. Pedro II.
É ainda como resultado da simpatia de D. Pedro II por Almeirim e da sua presença frequente no Paço Real, que outro fidalgo de grande prestígio começa a adquirir património em Almeirim. Trata-se de D. Pedro de Almeida Portugal, que começa a adquirir muitos direitos patrimoniais, em particular o Casal do Vale de Nabais, que era património de S. João do Alporão. A esta propriedade vai acrescentando varias outras que lhes estavam anexas e aumentando assim todo um vasto património que viria a originar a Quinta da Alorna. D. Pedro de Almeida que foi um dos mais distintos militares e servidores do rei D. Pedro II e de seu filho, que lhe conferiu a sua ultima grande responsabilidade, através da sua nomeação como 32ª Vice Rei da Índia.
Outra grande casa fidalga que se instala em Almeirim, é a Casa dos Condes de Atalaia, que recebem em 1769 a mercê de gestão do Paço dos Negros, passando a deter todo um vasto território patrimonial, que acompanhava toda a margem direita da Ribeira de Muge e tinha sede em Benfica do Ribatejo, a Quinta de Santa Marta.
Em 1781 também os Duques de Palmela recebem vasto património, através de mercê da Rainha D. Maria I a favor de D. Alexandre de Sousa Hosltein e que poderá ser referenciado nos dias de hoje através da Quinta da Lagoalva, cujos domínios territoriais iriam desde a charneca da Parreira até ao Tejo nas proximidades de Alpiarça.
A família Câmara Coutinho, Senhores das Ilhas Desertas e da Ilha de Taipa, era entre todas as que detinham vasto património territorial, aquela que mais intimamente estava ligada à Vila, porquanto o seu Palácio estava situado nas proximidades do Paço Real e todo o seu património rústico se desenvolvia a partir dele, quer na direcção de Alpiarça, quer para Sul nas charnecas limítrofes da Coutada.
A esta referência aos detentores do património fundiário circundante à Coutada e à Vila, que representavam a classe dominante, deveremos acrescentar a Família Mota Cerveira, servidores de várias gerações como Monteiros Mor da Coutada, como Almoxarifes do Paço, como Oficiais de Justiça, sendo em consequência de todos esses serviços, a família merecedora de Brasão de Armas e aquela que teria mais raízes e ligações à Vila.
O ambiente social e económico, de Almeirim desde o Terramoto até á Revolução Liberal e Guerra Civil, é assim tipicamente de carácter feudal, em que estes grandes senhores feudais e também as Ordens Religiosas, garantem a fixação da população, através do relacionamento típico da enfiteuse, dos forais e por último do arrendamento.
Também nesta época, mais precisamente a partir de 1970, começam os aforamentos de terrenos nas imediações do terreiro do Paço, que irão constituir a abertura para a nova construção urbana da Vila.
A Feira Franca de S. Roque, que teria sempre lugar a 16 de Agosto, instituída por alvará do Rei D. João V em 1729, dá uma ideia clara da centralidade regional de Almeirim, nessa época, também como pólo de trocas e venda de excedentes da produção agrícola que era predominantemente de auto-consumo, mas onde estava generalizada a pastorícia e exploração das matas como produtoras de madeira e de matéria orgânica que servia de adubo das hortas e das restantes culturas.