Apelo a Almeirim



Todos nós sentimos uma forte alegria íntima, ao revivermos os bons momentos do passado.
A terra onde nascemos, os lugares onde brincamos em criança, onde fomos felizes… transmitem-nos sempre, uma boa sensação de alegria e de saudade.
Esta boa sensação é-nos muitas vezes retirada, por aqueles que nunca a sentiram, nem a poderiam sentir.
Quantas vezes não acontece, voltarmos aos lugares da nossa infância ou juventude e verificamos com uma grande mágoa, toda uma alteração que alterou toda a beleza, daquele que era uma nossa importante referência afectiva.
Temos então de explicar a nossos filhos ou netos, que neste ou naquele lugar, havia um espaço e um enquadramento desaparecido, que era lindo, que era agradável, mas que já não existe.
Desse espaço a imaginação dos nossos filhos ou netos fará uma construção própria…mas já essa é muito diferente.
Depois deles já ninguém a recordará.
Talvez haja alguém que tenha a arte de registar em livro, fotografia ou filme, mas também tudo isso ficará numa prateleira de uma biblioteca pública ou numa gaveta de uma cómoda.
As mudanças serão cada vez mais rápidas e a memória afectiva, cada vez estará mais limitada.
As raízes então perdem-se…tanto fará viver na nossa terra, onde já não encontramos a referência afectiva, como em qualquer outro lugar.
Também já não vale a pena ir visitar a nossa terra, pois ela já está igual a todas as outras.
Este caminho é perigoso.
Retirar a memória colectiva, é destruir um direito de cada um de nós.
Retirar a memória colectiva é promover o desenraizamento colectivo, é dissolver a mais íntima das diferenciações humanas, que são as diferentes formas de amar e de recordar.
Por isso as sociedades modernas com respeito pelos valores humanos, só permitem a eliminação das referências colectivas, como uma excepção fundamentada no superior interesse colectivo.
Almeirim, também sofrido com este desrespeito para com este direito humano e por isso muito se descaracterizou.
Nada disto tem a ver com uma postura de resistência à modernidade.
Muito pelo contrário, pois ser moderno é ter a capacidade de criar melhores condições de vida para todos, sem pôr em causa os direitos de cada um.
Modernidade é a capacidade de criar condições de vida modernas, sem afectação dos sentimentos e da memória colectiva.
O estímulo do sentimento para com as nossas raízes, deveria ser um objectivo essencial da Administração Local. Não apenas pela salvaguarda do interesse dos que aqui nasceram ou viveram, mas também pelas oportunidades de desenvolvimento futuro que daí surgirão.
Realizar “obra” é muito importante, mas a “obra feita” também se distingue pela qualidade.
Essa maior ou menor qualidade, será a medida impulsionadora de muitas sinergias, de que dependerá o desenvolvimento futuro.
Sem paixão não é possível haver “obra de qualidade” e a paixão depende da memória da nossa infância e das vivências dos momentos de felicidade.
Sabem bem disto os povos que se impõem no mundo moderno.
Este processo de globalização actual, vem provar isso mesmo. São os povos com respeito pela “Sabedoria”, que se impõem a todos os outros.
A “Sabedoria” não é apenas conhecimento e ciência…é isso, mas associado à experiência e afectividade pelo passado.
Para se ter esta “Sabedoria”, é preciso viver num ambiente permanente de recordação e com os ouvidos muito abertos e atentos em relação à experiência dos anciãos.
O ambiente urbano, como uma permanente recordação do passado, é assim determinante para a formação das futuras gerações e para a qualidade de vida das populações.
Almeirim já foi muito penalizada, pelas circunstâncias históricas e também pela incúria, inconsciência e ignorância dos homens.
Como tenho o privilégio de ter tido a possibilidade, de ter a minha memória afectiva bem viva numa paixão pela minha terra….também senti esta necessidade, de fazer este apelo público.
O Projecto de criar um Centro Interpretativo da História de Almeirim, deveria assumir uma atenção particular de todos os seus habitantes e de todos os que têm responsabilidades na Administração Local.
Esse Projecto, é essencial para consolidar as raízes e para recuperar o orgulho próprio dos Almeirinenses.
O Edifício da antiga Junta Nacional do Vinho é simbólico da Cidade, um património local e terá de ter uma finalidade digna, que preserve toda a Identidade Histórica, que originou o que é hoje Almeirim.

Almeirim uma gloriosa História - Capitulo 31



Termino com este capítulo uma narração histórica, da Vila Real de Almeirim.
Tentei exprimir o que sempre procurei conhecer sobre a minha terra. Tentei partilhar esse conhecimento com todos.
Talvez tenha contribuído para motivar em alguns o orgulho de serem almeirinenses.
Orgulho que eu tenho, que é ferido pela indiferença de alguns … que assumindo responsabilidades, não acarinham a paixão daqueles que a procuram motivar.
Não há obra de qualidade, sem paixão…haverá apenas a cópia e a standarização.
Não há futuro digno, sem o conhecimento e o respeito pelo passado.
Não há desenvolvimento sustentado, sem uma cultura de exigência social e esta pressupõem a memória colectiva.
Dei uma visão do passado glorioso da história da minha terra…de uma forma simplificada é certo, mas verdadeira.
O objectivo era precisamente esse…ser simples e provocar o interesse e orgulho.
Um simples contributo.
O século XX, já tem muitos e bons narradores…mas também eu irei participando, contando agora histórias de coisas passadas, de um quadro, que pelo menos em parte vivi e que na outra parte me foi narrado por outros mais velhos que o viveram.
Termino em verso… eu que não sou poeta…que a paixão levou ao atrevimento.

Cheiro de Almeirim

Pela Janela entra a uva
Pelo Portão sai o vinho
Tanto trabalho…tanto carinho…
Fermenta o mosto já na cuba

O vinho é aqui, o nosso pão
O meu, é de todos o melhor.
Feito de trabalho e dedicação,
Nenhum outro tem tanto sabor.
O meu vinho é um caso à parte,
É toda a minha arte…
A minha grande criação.

À janela param os carros de bois,
Com celhas de uva dourada,
Saiem do portão os aranhóis,
Correm os cavalos pela calçada.

Quantas adegas…quantas Caldeiras?
De Fazendeiros ou de Lavradores.
Quantos ranchos de namoradeiras,
Tantos bailes e adiafas de alegria,
Quantos Rapazes perdidos de amores…
Quanta saudade, para quem partia.

Coisas que já não se vivem agora,
Privilégio dos que aqui viveram,
E daquelas que por esse mundo fora,
Nesse tempo aqui estiveram.

Havia um cheiro diferente
Que embebedou muita gente
Cheiro que guardo na memória,
Pois nunca houve cheiro assim.
Não há já aranhois, nem aguardente
Era o cheiro dos tempos de glória,
Cheiro que já não se sente,
Que saudade…do cheiro de Almeirim

A última visita Real - História de Almeirim (30)


Os primeiros anos do século XX, anunciavam prosperidade para Almeirim.
As ligações comerciais com o vinho do Porto, criavam uma oportunidade enorme, pois ele seria enriquecido com a aguardente da destilação do vinho da casta Fernão Pires.
Muitas caldeiras de destilação de aguardente vínica foram então construídas na Vila de Almeirim. Todos os grandes vinicultores tinham a sua caldeira e também muitos negociantes construíram a sua própria destilaria.
Este grande número de caldeiras, todas em funcionamento simultâneo, originavam uma enorme azafama de transito e um cheiro muito característico, que misturado com aquele também intenso cheiro do mosto das adegas, produzia o que chamamos o “ Cheiro de Almeirim”.
O Cheiro de Almeirim é nostálgico, para todos os que tiveram o privilégio de o sentir e felizmente eu sou um desses privilegiados.
Das adegas até às caldeiras circulavam uns estranhos carros puxados por cavalo ou por mulas, carregando o casco cheio de vinho ou de água pé.
Era uma azáfama danada, de um lado para o outro de cavalos batendo com os cascos nas ruas de seixo, cujo som já não mais se poderá ouvir.
Esses carros de transportes, também eram uma exclusividade da Vila de Almeirim, os Aranhóis.
Que muito correctamente foram honrados, como símbolo, ao ser um desses exemplares colocado numa rotunda da cidade.
Mas no final da primeira década, novos dramas aconteceram na Vila.
A 29 de Abril de 1909, um forte terramoto com epicentro na zona de Benavente, provocou de novo estragos consideráveis na Vila.
Todo o baixo Ribatejo, em especial as povoações da margem esquerda foram seriamente atingidas, houve muitas vítimas mortais, muita gente ficou sem abrigo e com todos os seus haveres perdidos.
No Natal desse mesmo ano, chuvas torrenciais provocaram a maior cheia de que há memória. De novo a destruição e novas vítimas.
Portugal vivia então uma época muito conturbada social e politicamente. O Rei D, Carlos e seu filho tinham sido assassinados vilmente em plena via pública, na praça do terreiro do Paço, em Lisboa.
Havia um novo Rei, um jovem de dezanove anos, D. Manuel II, que tentava evitar toda uma vasta onda de acções revolucionárias promovidas pelos grupos que pretendiam a instalação do regime republicano.
Este jovem Rei, era incansável na sua acção de atenções para com o seu povo.
Ele esteve em Benavente, a liderar todas as manobras de salvação e apoio quando do terramoto de Abril.
Ele veio a Almeirim para apoiar as vítimas da cheia do final do ano de 1909.
Foi aqui recebido pelo então Presidente da Câmara, o ilustre Dr. Guilherme Godinho, que apesar de ser um distinto republicano, tendo sido o primeiro deputado nacional de Almeirim após a implantação da República, não deixou de cumprir com elegância e simpatia a sua função e recebeu o Rei, com toda a dignidade e agradeceu toda a atenção e preocupação que a sua estadia representava.
Foi a última visita real a Almeirim.

A localização da Ponte sobre o Tejo…um privilégio de Almeirim - História de Almeirim (29)


A primeira ponte rodoviária sobre o Tejo, foi construída entre Santarém e Almeirim.
Ela foi inaugurada no ano de 1881. Na altura com o seu comprimento de 1.213 metros, foi considerada a maior da Península, a 3ª da Europa e a 6ª do Mundo.
Porque razão esta primeira travessia do maior rio português, foi localizada aqui em Almeirim?
A resposta a esta questão, vai levar-nos inevitavelmente à importância histórica da Vila de Almeirim.
Mas sendo esta uma razão com peso, não é suficiente.
Teremos de adicionar à razão desta escolha, outro tipo de análise justificativa.
Havia entre os Almeirinenses personalidades com muita influência política, no reinado de D. Pedro V, pois foi nessa época, que a decisão de construir a linha de caminho de ferro do Norte e a Ponte sobre o Tejo, foi tomada.
Novamente teremos de falar do Conde da Taipa e de seu cunhado o Conde da Torre, pares do Reino e dos outros grandes do reino, que tinham interesses e propriedades em Almeirim.
O Duque de Cadaval, o Duque de Palmela, o Conde da Atalaia, o Barão de Almeirim, o Visconde de Alpiarça, o Conde do Sobral, o Visconde da Junqueira, o próprio Marquês de Saldanha que era Presidente do Governo, tinha aqui em Almeirim laços de afectividade, desde os tempos das lutas contra o General Macena, na última das Invasões Francesas, mas também porque tinha interesses de natureza fundiária.
Todos estes tiveram certamente muita influência na decisão, mas não apenas por uma questão afectiva, sobretudo pelo seu interesse como proprietários rurais e grandes lavradores na margem esquerda do Tejo.
Estamos então em condições de perceber integralmente a verdadeira justificação da decisão de construir a primeira ponte sobre o Tejo entre Santarém e Almeirim.
Almeirim naquela época, era o centro mais importante da lavoura ribatejana. A agricultura era a actividade económica mais importante e aquela que mais deveria ser fomentada e apoiada.
A guerra civil que terminara em 1834, tinha deixado Portugal na miséria, agora havia que alimentar o povo e dinamizar a economia.
Almeirim foi assim também um pólo de esperança para esta mensagem de desenvolvimento económico e a vinha que então já se plantava o seu instrumento principal.
Na sua inauguração, esta tão ansiada obra foi motivo de grandes festejos de que há inúmeros registos históricos.
Mas há uma surpreendente falta de consciência social em Almeirim para com a ponte D. Luís I, que tem de ter também uma justificação.
Uma obra com tal importância para uma terra, há semelhança do que se passa em todo o lado, é venerada e em Almeirim moderna não há quaisquer sinais dessa veneração.
Tudo se justifica, com o que já foi narrado. Na época da inauguração da Ponte bendita, havia uma grave crise social provocada pela praga da Filoxera, que matava e empobrecia.
Como explicamos já, esta grave crise provocada pela praga, originou uma autêntica revolução social.
A recuperação das vinhas de Almeirim, provocou uma nova e mais forte onda de emigrantes que aqui encontravam trabalho e oportunidades.
Muitos destes, chegados nessa altura, enriqueceram e passaram a constituir a nova elite social e económica. Os outros, aqui ficaram porque tinham aqui o que não encontravam noutros lugares.
Mas todos estes, já atravessaram o Tejo, pela nova ponte.
Não tinham na sua memória, a carência e a ansiedade pela obra, pois nunca tinham tido, nem nunca mais tiveram a necessidade de atravessar barcaça, do porto das barcas até Alfange.

A Vila Vinícola e um novo carisma – História de Almeirim (28)


A interligação com o Porto, através do estímulo produtivo e comercial, motivado pela cultura da vinha, originou uma alteração profunda na fisionomia social e arquitectónica de Almeirim.
A Aristocracia dominante foi rapidamente substituída por uma Burguesia de vitivinicultores, que rapidamente adquiriram a maioria do património da nobreza e construíram através de uma arquitectura muito característica, todo um novo conjunto patrimonial, que passou a constituir a imagem dominante da Vila.
A mais expressiva dessa nova imagem, fica expressa pelas grandes casas forradas a azulejo, construídas através da compra de foros públicos em terrenos pertencentes à Casa Real ou ao antigo Paço.
Há volta do antigo terreiro do Paço, que hoje é o Jardim da República, ficava construído um conjunto de edifícios, onde esta nova Burguesia rural se instalou predominante. Também nas ruas que lhe davam acesso. Almeirim passava a ter uma referência arquitectónica de uma época de grande fulgor económico e de desenvolvimento, iniciada na década de oitenta do século XIX e que se irá prolongar para além da primeira metade do século XX.
Dentro da Vila, apenas uma família aristocrata manteve o seu património. A família do Conde de Sobral.
Os herdeiros do Conde da Taipa venderam todo o património, quase na totalidade a Manoel de Andrade.
Integrava este património histórico a Casa onde esteve alojada a Corte de D. José I, na última estadia Real em Almeirim. Também a Casa que fora a antiga Câmara Municipal e onde se instalou o General Júlio Guerra, tendo sido a sede de todo a obra, a que por simplificação chamamos de “construção da vala”.
A própria ermida do Calvário, que era propriedade do Conde e tinha sido reconstruída sobre as ruínas da antiga Capela de S. Roque, onde rezou S. Francisco Xavier, também entrou neste negócio de transferência patrimonial.
O património do Barão de Almeirim, fora adquirido uma parte pela Câmara Municipal, outra pelo grande negociante e vinicultor Prudêncio da Silva Santos.
A Alorna foi vendida a uma sociedade, que no final de alguns anos tinha como único sócio o Dr. Caroça, um rico médico dentista, que havia feito grande fortuna em s. Tomé e Principe.
A dominância social e arquitectónica da Vila, era agora de famílias de emigrantes…os Andrade, os diversos ramos dos Gonçalves, também dos Godinho, os Martins, os Catrola, os Marques da Cruz, os Torrão Santos, os Rodrigues, os Santo, os Tavares… a que se começavam a juntar os profissionais liberais, médicos ou juristas e também comerciantes.
Paralelamente ganhava consistência a mais numerosa e mais simbólica das classes sociais…os Fazendeiros de Almeirim.
A Casa térrea de Almeirim, é o símbolo mais expressivo dessa magnífica e impar classe social, cuja identidade, ultrapassa claramente a sua natureza profissional e é um fenómeno de grande valor social, pela organização familiar que enraizou e pela mentalidade muito própria com que se soube preservar.
O estudo da expressão familiar e social dos fazendeiros de Almeirim, dariam um interessantíssimo trabalho de investigação sociológico, que deveria motivar investigadores ou universitários.
Outra questão de grande importância é o estudo e posterior registo das origens e do inter-relacionamento familiar dos emigrantes chegados, com as famílias tradicionais da Vila Real. Este será o primeiro projecto identificador, para que fique registado para o conhecimento colectivo, com que se inicia o que chamamos “ Projecto Plataforma de Almeirim “.

Heróis de uma luta nacional – História de Almeirim (27)



(Ainda há Fazendeiros em Almeirim - Foto de 2009)

Na última década do século XIX, foram muitos os trabalhadores rurais e os Fazendeiros, de Almeirim e Alpiarça, que foram contratados como enxertadores das vinhas do Dão e do Douro.
Eles tinham adquirido o conhecimento da técnica e muita prática, pois em toda a secada anterior já todas as novas vinhas plantadas no campo de Almeirim, eram feitas através da enxertia do Fernão Pires, no Bacelo Americano, este resistente à praga da Filoxera.
Os vinicultores do Norte sabiam da habilidade e experiência, dos de Almeirim e ofereciam boas remunerações para que estes fossem recuperar as vinhas nortenhas. O que hoje é um património Mundial, foi assim reconvertido pelos homens de Almeirim. Eles foram por consequência os heróis, é certo que bem pagos, da recuperação de um valiosíssimo património nacional.
Mas a importância da sua acção não se ficou apenas por esta acção. Estes contactos dos viticultores do Douro com Almeirim, veio a ter outra importantíssima consequência directa.
As vinhas do Douro estavam em grande declínio produtivo e a sua reconversão demorou vários anos até atingir os níveis anteriores. Mas o mercado do Vinho do Porto, continuava em expansão e estava carente de matéria prima.
Dos contactos estabelecidos, resultou o fenómeno inicial do fabrico do Vinho do Porto passar a ser feito com base no Fernão Pires adquirido em Almeirim. Foi uma necessidade que obrigou os grandes fabricantes do Porto, na sua maioria de origem britânica. Desta necessidade de recurso, passou-se a uma outra, que foi o enriquecimento alcoólico do vinho do Porto, ser feito com a aguardente proveniente do vinho Fernão Pires, produzido em Almeirim e Alpiarça. Foi a grande oportunidade que originou o início das destilarias ( Caldeiras ). A primeira caldeira a ser registada foi a de António Santo, mas logo se seguiram muitas outras, pois o negócio do Vinho do Porto era rentável e seguro.
Também em Almeirim se aprendeu a fazer Vinhos Abafados e Adamados. Excelentes de qualidade, que nunca se consolidaram no mercado, apenas e somente, porque produzir para o Porto era um negócio rentável e seguro e ninguém arriscou em criar uma marca, que pudesse originar uma concorrência directa com os benditos compradores.
Tudo isto veio a dar origem a uma nova onda de emigração, que chegava a Almeirim.
Enquanto a primeira vaga de emigrantes, teve como estimulo a Obra da Vala, esta tinha como estímulo o fabrico e o negócio do Vinho e da Aguardente.
Muitos dos antigos emigrantes, passaram para este negócio como o António Catrola, ou o Prudêncio Santos e fizeram fortunas. Outros foram novos emigrantes que chegavam, já com experiência no mercado e também passaram a ser grandes senhores da terra, como Francisco Marques da Cruz.
Mas para além destes, toda a população beneficiou. Almeirim iria iniciar um período de desenvolvimento extraordinário. A Vila Real, passava a ser uma verdadeira Capital do Vinho.
Com o dinheiro acumulado pelas tarefas temporárias no Dão e no Douro, muitos tabalhdores rurais tiveram condições para adquirir o seu palmo de terra, em especial na charneca e assim se consolidou a classe dominante e de excelência…os Fazendeiros de Almeirim…os heróis da recuperação da vinicultura portuguesa.

A praga devastadora e a crise social - História de Almeirim (26)



Foi na partir do final da década de setenta do século XIX , que surgiu a praga devastadora que matou lentamente uma boa parte dos vinhedos de Portugal.
A Filoxera trouxe uma originou uma grave crise social, pois as vinhas progressivamente foram definhando e lentamente a sua produtividade ia decrescendo.
Cultura que sustentava muita gente, por ser exigente em mão de obra, a crise foi lenta mas muito grave. Os proprietários perdiam a motivação e a capacidade de continuar a contratar os trabalhadores.
A Filoxera foi provocada por um insecto, que se alimentava das raízes das plantas. Os terrenos de aluvião e as vinhas novas e tenras do campo de Almeirim, eram assim um meio muito propício ao desenvolvimento da praga. A praga que na região, apareceu inicialmente na zona de Alenquer, rapidamente se alastrou aos campos do Ribatejo e aí teve um efeito muito rápido e devastador.
Os senhores fidalgos, que também empobreciam, mas que tinham consciência social e preocupações em manter os seus assalariados, criaram a partir de então uma dinâmica que promoveu uma identidade regional, de grande significado. Não tendo dinheiro, mas querendo manter os serviços dos seus empregados, cediam terras em contrapartida dos seus serviços. Os foros cedidos desta forma e originados pela generalizada crise, vieram a criar várias localidades, as Fazendas de Almeirim, os Foros de Benfica, o Casalinho…e mesmo a possibilidade de alargamento urbano nas Vilas de Alpiarça e Almeirim.
Mas o mais significativo, foi que esse processo deu origem a uma classe social, que passou em poucos anos a ser a classe dominante e a mais característica. Os Fazendeiros de Almeirim.
Uma feliz coincidência veio a permitir que Almeirim, passasse a ser o cento nacional da luta contra esta praga devastadora das vinhas de Portugal.
Manuel de Andrade, era filho de uma senhora de Alenquer e aí tinha família também ligada à vinicultura. Ele que tinha sido o responsável geral da obra da Vala, era agora também proprietário vinicultor e simultaneamente administrador do maior proprietário de Almeirim, o Conde da Taipa. Foi através da informação recolhida de seus familiares de Alenquer que conheceu que havia uma forma de combate eficaz à doença devastadora. Através da técnica de enxertia em bacelos de origem americana, resistentes ao ataque dos insectos. Como era uma pessoa decidida e tinha contactos, foi o primeiro a importar de França estes bacelos e a usar a técnica da enxertia.
Nem todos o seguiram inicialmente, preferindo a manutenção das plantações e utilizando o uso de tratamentos com base em sulfitações. Manuel de Andrade antecipou-se e passados poucos anos as suas vinhas encantavam pelo seu vigor e enriqueciam-no através da sua produtividade.
A técnica da enxertia introduzida pelo antigo valador, veio a ser o único método eficaz para a salvação da vinicultura nacional.
Foi por este facto que o Rei D. Luís I, o quis agraciar com um título nobiliárquico, que recusou preferindo manter a sua condição de humildade. Mas este episódio acabou por ser conhecido nacionalmente, pois foi relatado já após a sua morte num órgão de comunicação social de expressão nacional, a Revista Comércio e Indústria.
Almeirim, conseguiu ultrapassar a crise e voltou a ter na vinha e no vinho, a motivação para o seu desenvolvimento.
Mas mais ainda, como narraremos mais adiante, Almeirim e os Fazendeiros de Almeirim, foram determinantes para a recuperação da viti-vinicultura portuguesa e muito especialmente para a reconversão que posteriormente veio a ter lugar dos vinhedos do Douro, salvando-se assim esse importantíssimo património nacional que é o Vinho do Porto.

Os primeiros Emigrantes - História de Almeirim (25)



A primeira vaga de emigrantes com significado, chega a Almeirim através desta dupla motivação.
A obra do Vale do Tejo, que tinha a sua sede e coordenação na Vila, em simultâneo com a necessidade de mão de obra para a cultura da Vinha.
Acontece a partir da segunda metade dos anos cinquenta do século XIX.
Entre estes emigrantes, surgem desde logo, alguns com instrução e qualificação profissional.
O Coronel Júlio Guerra recruta para a sua equipe, pessoas que já conhecia, ou por terem feito a tropa sob as suas ordens, ou porque já haviam participado em outras do mesmo género, que ele coordenara. Uma equipe de jovens originários do Vale do Mondego ou da zona de Minde.
Nomeou como principal responsável dessa obra, um jovem, mas já experiente, que conhecia bem, chamado Manoel de Andrade. Este era natural de Paião, Concelho da Figueira da Foz e já exercia uma actividade própria como “Valador”, ou seja construtor civil de obras de hidráulica agrícola, na região do Baixo Mondego. Tinha feito a tropa integrado no Batalhão do Coronel Júlio Guerra em Coimbra.
O curso da antiga Vala (Alpiaçoulo) foi alterado e uma nova linha de água foi construída, a Vala de Alpiarça. Foram construídas três pontes e duas novas estradas. A ponte de Alpiarça, a ponte de Benfica do Ribatejo (a última a ser construída) e a nova Ponte de Almeirim (a Ponte Velha). Duas estradas passaram a ligar a Ponte de Alpiarça e a Ponte de Almeirim, directamente à Tapada, onde então já estava situado um dos estaleiros para a construção da Ponte D. Luiz I.
Com a mudança do curso da antiga Vala, fica liberto muito terreno, que passa a ser considerado público. Esses terrenos são divididos em lotes, são faixas paralelas entre a antiga linha de água e a moderna. Esses lotes, são numerados e colocados á venda em hasta pública. São vários o emigrantes, responsáveis e trabalhadores da obra, que compram esses lotes. Ainda hoje, muitas propriedades, têm o nome de registo decorrente da numeração de lote que lhe foi atribuída. Os “Vinte Cinco”, os “Catorze”, os “Dezoito”, outras já não têm essa identificação através de números, porque os seus novos proprietários, lhe deram outros nomes no acto de registo.
A década de sessenta, inicia uma mudança radical na Vila Real de Almeirim. Novas gentes e nova motivação, mais visitantes pela nova acessibilidade. Muitos dos que vieram para a obra, ao adquirirem património, consolidaram-se como vinicultores e em Almeirim passaram a viver para sempre. Outros que perante o desenvolvimento, que tudo isto proporcionava, abraçaram outros ofícios ou criaram actividades de comércio. Muitos deles, acabaram também por constituir família por casamento, ligando-se às famílias locais.
Nessa época com a Vala Nova, também se instalam junto a ela, alguns pescadores “Avieiros”, que construíram pequena aldeias “palafíticas”, sobretudo entre Almeirim e Benfica do Ribatejo. Eram eles, que forneciam peixe fresco ao mercado de Almeirim. Também destes há muitos descendentes em Almeirim.
São estes novos emigrantes chegados a Almeirim desde a década de sessenta do século XIX, que irão estar na base de toda a evolução da Vila Real, para a Vila Vitivinícola e de toda a incrível evolução e desenvolvimento, que protagonizaram.
A Vinha foi a motivação. Almeirim crescia e desenvolvia-se, sustentada numa corrida á oportunidade de riqueza que o Vinho e a Aguardente, proporcionava.
Fazer um trabalho consistente de busca e pesquisa dos nomes, das suas origens das suas raízes, da sua obra e actividades, da sua ascendência e descendência, é um dos primeiros objectivos do projecto a que chamamos “Plataforma de Almeirim”. Será pois um contributo, a que todos podem dar a sua colaboração, através da sua informação familiar, que contribuirá em muito para motivar o “orgulho de ser almeirinense” e para a recuperação da nossa memória colectiva. Será um projecto de todas as famílias e de toda a sociedade civil de Almeirim. Um projecto histórico e cultural que permitirá uma nova “identificação” de cada um de nós, e uma reforçada ligação afectiva à nossa terra.

O Milagre da Vinha- História de Almeirim (24)



A Vinhas plantadas no campo, foram um sucesso produtivo de grande significado. O sucesso das experiências do Visconde da Junqueira, na Alorna, levou todos os grandes proprietários, a seguir o seu exemplo.
A casta Fernão Pires passou a ser a heroína da produtividade vinícola nacional.
Em meados dos anos cinquenta do século XIX, já as vinhas tinham uma grande expansão no campo de Almeirim. Foi a partir de aqui que se expandiram para os restantes concelhos onde havia também campos de aluvião.
O Duque de Cadaval planta vinhas nas suas propriedades de Salvaterra e Benavente. O Duque de Palmela em Alpiarça e Chamusca. Ainda em Alpiarça, a família Sousa Falcão faz enormes plantações. O Barão de Almeirim leva a cultura para o Rossio da Ribeira de Santarém e Alcanhões. O Conde da Taipa, assume-se como grande vinicultor em Almeirim e planta a vinha nas terras de sua mulher, a Condessa de Valada, no aluvião da margem direita do Tejo, no Concelho do Cartaxo. Ainda o Conde da Atalaia, cuja sede de Casa Agrícola era a Quinta de Santa Marta, em Benfica, implanta aí a cultura e também nas terras que possuía no Concelho de Santarém e Cartaxo. O Conde de Sobral e o Conde da Torre também aderem à dinâmica e nas suas propriedades do Casal Branco e da Gouxaria instalam vinhas e adegas.
É assim a partir de Almeirim, que a vinha se expande e divulga por todo o Ribatejo. Esta nova actividade com elevado interesse económico vai originar decisões políticas de elevado interesse regional.
A influência dos nobres proprietários de Almeirim, associada ao seu interesse pela nova cultura que estava em franca expansão, pressiona a decisão de o Governo levar a cabo a grande obra de defesa e drenagem dos campos do vale do Tejo.
O Coronel Manuel José Júlio Guerra é nomeado como responsável pelo reconhecimento do terreno e como coordenador da obra e instala-se em Almeirim, em instalações cedidas pelo Conde da Taipa. É o este grupo do Coronel Júlio Guerra que faz o primeiro levantamento cartográfico de Almeirim e publica a primeira planta da Vila Real.
Com o início desta obra, a que normalmente chamamos, de uma forma redutora, “ a construção da Vala de Alpiarça”, chega a primeira grande onda de emigrantes, que para ela vieram trabalhar e em que a maioria se instala definitivamente em Almeirim. No entanto para que fique mas claro o interesse público dessa obra, é importante referir que foram recuperados algumas centenas de hectares de terras pantanosas, que foram realizados vários diques que ainda hoje defendem o campo dos aumentos de caudais do Tejo, que foi regularizado o leito do Tejo, do Alpiaçôlo (Vala de Alpiarça) e da Vala Real (Vale de Santarém), em que foram também construídas novas pontes e estradas. Foi uma obra de grande importância e envergadura que se prolongou por cerca de duas décadas, como se comprova pela data ainda visível (1876), colocada na ponte de Benfica do Ribatejo.
Mas esta dinâmica económica, também influenciada pelo interesse directo dos nobres proprietários, veio a ocasionar uma outra obra, que possibilitou toda a nova vocação de Almeirim e passou a ser determinante para o seu desenvolvimento económico e social.
Foi a decisão de realizar a primeira ponte viária sobre o Tejo, precisamente entre Santarém e Almeirim. Essa decisão está indiscutivelmente ligada ao reconhecimento politico na época de que a Vila Real de Almeirim, era agora a protagonista de uma dinâmica económica que havia que apoiar. Com a nova Ponte, D. Luís I, Almeirim ficava ligada directamente por via viária e rápida ao Caminho de Ferro, pois entretanto também a linha do Norte tinha sido construída.
Almeirim estava agora ligada ao mercado de todo o território, estava eliminado todo o seu isolamento, precisamente quando encontrou a sua nova vocação. Todas as portas para o seu desnvolvimento tinham sido abertas.

A nova vocação da Vila Real - História de Almeirim (23)


Não deixa de ser interessante a verificação de quem são os destinatários da obra das “Viagens na Minha Terra” de Almeida Garret. São eles, Passos Manuel , Manuel Nunes Freire da Rocha ( Barão de Almeirim) e D. Gastão da Câmara Coutinho Pereira de Sande (Conde da Taipa).
Todos eles com fortes ligações a Almeirim.
Pelo casamento, como foi o caso de Passos Manuel, pois sua mulher era da família Sousa Falcão de Alpiarça, tendo vivido após a sua retirada da política na Quinta da Torre em Alpiarça. Pelas responsabilidades administrativas e políticas na Vila Real e título de Barão de Almeirim, o natural do Pombalinho, Manuel Nunes Freire da Rocha. Por ser um filho da terra e seu grande benfeitor, a mais prestigiada figura nobre almeirinense, o Conde da Taipa.
Poder-se-á pensar tratar-se apenas de uma cortesia de amizade de Almeida Garret, mas penso que essa seria uma análise simplista, pois para além dela, estará também a percepção que durante a sua estadia de que Almeirim assumia efectivamente, ainda nessa época, uma centralidade social e económica, dominante em todo o Ribatejo.
Corrobora neste sentido a notícia que pode ser lida na “Cronologia de Almeirim” do Prof. Jorge Custódio. Aí se dá nota que em 1835, “os homens bons de Almeirim organizam-se para facilitar a venda dos bens nacionalizados às Ordens Religiosas”.
Efectivamente assim foi. Os grandes senhores que já possuíam bens em Almeirim organizaram-se para adquirir as propriedades nacionalizadas e reforçaram substancialmente os seus domínios patrimoniais. Por isso o liberalismo não originou directamente a divisão da propriedade e muito pelo contrário originou a sua concentração. Porém essas propriedades passavam agora a ser grandes explorações agrícolas, geridas por grandes Lavradores, muitos deles descendentes de antigos nobres, outros da nova nobreza e outros ainda simplesmente homens de negócios, que no advento da produção empresarial agrícola pretendiam investir o seu dinheiro na actividade económica dominante.
Destas grandes Casas Agrícolas que então se formaram no Concelho de Almeirim e que lideraram todo o processo da modernização agrícola nacional, ainda hoje existem imponentes referências, que apesar das divisões a que foram sujeitas, por partilhas ou por destaques para venda, dão-nos uma ideia precisa da imponência que deveriam ter naquela época: A Casa Cadaval em Muge; A Quinta de Santa Marta em Benfica; o Casal Branco do Conde de Sobral de que foi destacado o Convento da Serra e o Casal Monteiro; o Mouchão do Alfange na Tapada; a Padilha em Almeirim; a Alorna; a Goucha e Goucharia e os domínios dos Mascarenhas que incluía um vasto património anexo à actual Calha do Grou; a Quinta da Torre que fazia parte de uma enorme propriedade da família Sousa Falcão; a Lagoalva e os seus anexos do Duque de Palmela…
Nessa época estas grandes Casas Agrícolas, detinham em Portugal as maiores produtividades quer na produção de cereais, quer na produção pecuária. Também foi nas várzeas da Ribeira de Muge que se iniciou a moderna cultura de arroz, através da iniciativa de José António Pinhão que se instalou na zona da Raposa, a partir do ano de 1830. Foi também nessa época que a Coudelaria do Casal Branco se distinguia em todo o país pela qualidade dos seus cavalos. Ela tinha sido fundada pelo Barão de Sobral e foi atingindo o auge do seu prestígio, pela acção e dedicação do 3º Conde de Sobral, D. Hermano Sobral de Melo Breyner.
É muito interessante a verificação dos fenómenos que acontecem em Almeirim, em que a agricultura como actividade económica, era quase exclusivamente determinada pela grande exploração agrícola e se vai transformar, num curto espaço de tempo, numa terra de emigrantes e onde vai ser dominante uma nova classe de agricultores de pequena dimensão, os Fazendeiros de Almeirim.
Este interessantíssimo processo de evolução, tem a sua primeira origem na venda da Quinta da Alorna em 1843, a José Dias Leite Sampaio e que recebera o título de Barão da Junqueira.
O Barão da Junqueira, que era um banqueiro e um muito abastado homem de negócios, irá tudo revolucionar com os seus investimentos. Ele planta um enorme olival e constrói o primeiro Lagar de Azeite movido a vapor.
Mas a sua obra mais importante foi as diversas plantações de vinha e a adega para fabrico dos vinhos.
O êxito produtivo das vinhas do Junqueira, plantadas no campo (aluvião), foi de tal forma grande pela produtividade que a casta escolhida tinha, que essa casta histórica, o Fernão Pires irá ser a paixão abençoada de todos os outros proprietários e até dos trabalhadores rurais, que começavam a chegar para os trabalhos das vinhas.
Todos quiseram também plantar vinhas no campo. Todos quiseram adquirir terras no campo.
Criou-se uma verdadeira euforia. Almeirim tinha encontrado finalmente a sua vocação que irá tudo mudar.
A Vila Real irá agora caminhar para a Vila Vitivinicola e irão vir muitos emigrantes, ou seja os antepassados da maior dos almeirinenses dos nossos dias.
Mas nem tudo irão ser rosas e uma praga irá originar actos heróicos de resistência, uma luta de sacrifícios e uma autêntica revolução social.