Apelo a Almeirim



Todos nós sentimos uma forte alegria íntima, ao revivermos os bons momentos do passado.
A terra onde nascemos, os lugares onde brincamos em criança, onde fomos felizes… transmitem-nos sempre, uma boa sensação de alegria e de saudade.
Esta boa sensação é-nos muitas vezes retirada, por aqueles que nunca a sentiram, nem a poderiam sentir.
Quantas vezes não acontece, voltarmos aos lugares da nossa infância ou juventude e verificamos com uma grande mágoa, toda uma alteração que alterou toda a beleza, daquele que era uma nossa importante referência afectiva.
Temos então de explicar a nossos filhos ou netos, que neste ou naquele lugar, havia um espaço e um enquadramento desaparecido, que era lindo, que era agradável, mas que já não existe.
Desse espaço a imaginação dos nossos filhos ou netos fará uma construção própria…mas já essa é muito diferente.
Depois deles já ninguém a recordará.
Talvez haja alguém que tenha a arte de registar em livro, fotografia ou filme, mas também tudo isso ficará numa prateleira de uma biblioteca pública ou numa gaveta de uma cómoda.
As mudanças serão cada vez mais rápidas e a memória afectiva, cada vez estará mais limitada.
As raízes então perdem-se…tanto fará viver na nossa terra, onde já não encontramos a referência afectiva, como em qualquer outro lugar.
Também já não vale a pena ir visitar a nossa terra, pois ela já está igual a todas as outras.
Este caminho é perigoso.
Retirar a memória colectiva, é destruir um direito de cada um de nós.
Retirar a memória colectiva é promover o desenraizamento colectivo, é dissolver a mais íntima das diferenciações humanas, que são as diferentes formas de amar e de recordar.
Por isso as sociedades modernas com respeito pelos valores humanos, só permitem a eliminação das referências colectivas, como uma excepção fundamentada no superior interesse colectivo.
Almeirim, também sofrido com este desrespeito para com este direito humano e por isso muito se descaracterizou.
Nada disto tem a ver com uma postura de resistência à modernidade.
Muito pelo contrário, pois ser moderno é ter a capacidade de criar melhores condições de vida para todos, sem pôr em causa os direitos de cada um.
Modernidade é a capacidade de criar condições de vida modernas, sem afectação dos sentimentos e da memória colectiva.
O estímulo do sentimento para com as nossas raízes, deveria ser um objectivo essencial da Administração Local. Não apenas pela salvaguarda do interesse dos que aqui nasceram ou viveram, mas também pelas oportunidades de desenvolvimento futuro que daí surgirão.
Realizar “obra” é muito importante, mas a “obra feita” também se distingue pela qualidade.
Essa maior ou menor qualidade, será a medida impulsionadora de muitas sinergias, de que dependerá o desenvolvimento futuro.
Sem paixão não é possível haver “obra de qualidade” e a paixão depende da memória da nossa infância e das vivências dos momentos de felicidade.
Sabem bem disto os povos que se impõem no mundo moderno.
Este processo de globalização actual, vem provar isso mesmo. São os povos com respeito pela “Sabedoria”, que se impõem a todos os outros.
A “Sabedoria” não é apenas conhecimento e ciência…é isso, mas associado à experiência e afectividade pelo passado.
Para se ter esta “Sabedoria”, é preciso viver num ambiente permanente de recordação e com os ouvidos muito abertos e atentos em relação à experiência dos anciãos.
O ambiente urbano, como uma permanente recordação do passado, é assim determinante para a formação das futuras gerações e para a qualidade de vida das populações.
Almeirim já foi muito penalizada, pelas circunstâncias históricas e também pela incúria, inconsciência e ignorância dos homens.
Como tenho o privilégio de ter tido a possibilidade, de ter a minha memória afectiva bem viva numa paixão pela minha terra….também senti esta necessidade, de fazer este apelo público.
O Projecto de criar um Centro Interpretativo da História de Almeirim, deveria assumir uma atenção particular de todos os seus habitantes e de todos os que têm responsabilidades na Administração Local.
Esse Projecto, é essencial para consolidar as raízes e para recuperar o orgulho próprio dos Almeirinenses.
O Edifício da antiga Junta Nacional do Vinho é simbólico da Cidade, um património local e terá de ter uma finalidade digna, que preserve toda a Identidade Histórica, que originou o que é hoje Almeirim.

Almeirim uma gloriosa História - Capitulo 31



Termino com este capítulo uma narração histórica, da Vila Real de Almeirim.
Tentei exprimir o que sempre procurei conhecer sobre a minha terra. Tentei partilhar esse conhecimento com todos.
Talvez tenha contribuído para motivar em alguns o orgulho de serem almeirinenses.
Orgulho que eu tenho, que é ferido pela indiferença de alguns … que assumindo responsabilidades, não acarinham a paixão daqueles que a procuram motivar.
Não há obra de qualidade, sem paixão…haverá apenas a cópia e a standarização.
Não há futuro digno, sem o conhecimento e o respeito pelo passado.
Não há desenvolvimento sustentado, sem uma cultura de exigência social e esta pressupõem a memória colectiva.
Dei uma visão do passado glorioso da história da minha terra…de uma forma simplificada é certo, mas verdadeira.
O objectivo era precisamente esse…ser simples e provocar o interesse e orgulho.
Um simples contributo.
O século XX, já tem muitos e bons narradores…mas também eu irei participando, contando agora histórias de coisas passadas, de um quadro, que pelo menos em parte vivi e que na outra parte me foi narrado por outros mais velhos que o viveram.
Termino em verso… eu que não sou poeta…que a paixão levou ao atrevimento.

Cheiro de Almeirim

Pela Janela entra a uva
Pelo Portão sai o vinho
Tanto trabalho…tanto carinho…
Fermenta o mosto já na cuba

O vinho é aqui, o nosso pão
O meu, é de todos o melhor.
Feito de trabalho e dedicação,
Nenhum outro tem tanto sabor.
O meu vinho é um caso à parte,
É toda a minha arte…
A minha grande criação.

À janela param os carros de bois,
Com celhas de uva dourada,
Saiem do portão os aranhóis,
Correm os cavalos pela calçada.

Quantas adegas…quantas Caldeiras?
De Fazendeiros ou de Lavradores.
Quantos ranchos de namoradeiras,
Tantos bailes e adiafas de alegria,
Quantos Rapazes perdidos de amores…
Quanta saudade, para quem partia.

Coisas que já não se vivem agora,
Privilégio dos que aqui viveram,
E daquelas que por esse mundo fora,
Nesse tempo aqui estiveram.

Havia um cheiro diferente
Que embebedou muita gente
Cheiro que guardo na memória,
Pois nunca houve cheiro assim.
Não há já aranhois, nem aguardente
Era o cheiro dos tempos de glória,
Cheiro que já não se sente,
Que saudade…do cheiro de Almeirim

A última visita Real - História de Almeirim (30)


Os primeiros anos do século XX, anunciavam prosperidade para Almeirim.
As ligações comerciais com o vinho do Porto, criavam uma oportunidade enorme, pois ele seria enriquecido com a aguardente da destilação do vinho da casta Fernão Pires.
Muitas caldeiras de destilação de aguardente vínica foram então construídas na Vila de Almeirim. Todos os grandes vinicultores tinham a sua caldeira e também muitos negociantes construíram a sua própria destilaria.
Este grande número de caldeiras, todas em funcionamento simultâneo, originavam uma enorme azafama de transito e um cheiro muito característico, que misturado com aquele também intenso cheiro do mosto das adegas, produzia o que chamamos o “ Cheiro de Almeirim”.
O Cheiro de Almeirim é nostálgico, para todos os que tiveram o privilégio de o sentir e felizmente eu sou um desses privilegiados.
Das adegas até às caldeiras circulavam uns estranhos carros puxados por cavalo ou por mulas, carregando o casco cheio de vinho ou de água pé.
Era uma azáfama danada, de um lado para o outro de cavalos batendo com os cascos nas ruas de seixo, cujo som já não mais se poderá ouvir.
Esses carros de transportes, também eram uma exclusividade da Vila de Almeirim, os Aranhóis.
Que muito correctamente foram honrados, como símbolo, ao ser um desses exemplares colocado numa rotunda da cidade.
Mas no final da primeira década, novos dramas aconteceram na Vila.
A 29 de Abril de 1909, um forte terramoto com epicentro na zona de Benavente, provocou de novo estragos consideráveis na Vila.
Todo o baixo Ribatejo, em especial as povoações da margem esquerda foram seriamente atingidas, houve muitas vítimas mortais, muita gente ficou sem abrigo e com todos os seus haveres perdidos.
No Natal desse mesmo ano, chuvas torrenciais provocaram a maior cheia de que há memória. De novo a destruição e novas vítimas.
Portugal vivia então uma época muito conturbada social e politicamente. O Rei D, Carlos e seu filho tinham sido assassinados vilmente em plena via pública, na praça do terreiro do Paço, em Lisboa.
Havia um novo Rei, um jovem de dezanove anos, D. Manuel II, que tentava evitar toda uma vasta onda de acções revolucionárias promovidas pelos grupos que pretendiam a instalação do regime republicano.
Este jovem Rei, era incansável na sua acção de atenções para com o seu povo.
Ele esteve em Benavente, a liderar todas as manobras de salvação e apoio quando do terramoto de Abril.
Ele veio a Almeirim para apoiar as vítimas da cheia do final do ano de 1909.
Foi aqui recebido pelo então Presidente da Câmara, o ilustre Dr. Guilherme Godinho, que apesar de ser um distinto republicano, tendo sido o primeiro deputado nacional de Almeirim após a implantação da República, não deixou de cumprir com elegância e simpatia a sua função e recebeu o Rei, com toda a dignidade e agradeceu toda a atenção e preocupação que a sua estadia representava.
Foi a última visita real a Almeirim.