Heróis de uma luta nacional – História de Almeirim (27)



(Ainda há Fazendeiros em Almeirim - Foto de 2009)

Na última década do século XIX, foram muitos os trabalhadores rurais e os Fazendeiros, de Almeirim e Alpiarça, que foram contratados como enxertadores das vinhas do Dão e do Douro.
Eles tinham adquirido o conhecimento da técnica e muita prática, pois em toda a secada anterior já todas as novas vinhas plantadas no campo de Almeirim, eram feitas através da enxertia do Fernão Pires, no Bacelo Americano, este resistente à praga da Filoxera.
Os vinicultores do Norte sabiam da habilidade e experiência, dos de Almeirim e ofereciam boas remunerações para que estes fossem recuperar as vinhas nortenhas. O que hoje é um património Mundial, foi assim reconvertido pelos homens de Almeirim. Eles foram por consequência os heróis, é certo que bem pagos, da recuperação de um valiosíssimo património nacional.
Mas a importância da sua acção não se ficou apenas por esta acção. Estes contactos dos viticultores do Douro com Almeirim, veio a ter outra importantíssima consequência directa.
As vinhas do Douro estavam em grande declínio produtivo e a sua reconversão demorou vários anos até atingir os níveis anteriores. Mas o mercado do Vinho do Porto, continuava em expansão e estava carente de matéria prima.
Dos contactos estabelecidos, resultou o fenómeno inicial do fabrico do Vinho do Porto passar a ser feito com base no Fernão Pires adquirido em Almeirim. Foi uma necessidade que obrigou os grandes fabricantes do Porto, na sua maioria de origem britânica. Desta necessidade de recurso, passou-se a uma outra, que foi o enriquecimento alcoólico do vinho do Porto, ser feito com a aguardente proveniente do vinho Fernão Pires, produzido em Almeirim e Alpiarça. Foi a grande oportunidade que originou o início das destilarias ( Caldeiras ). A primeira caldeira a ser registada foi a de António Santo, mas logo se seguiram muitas outras, pois o negócio do Vinho do Porto era rentável e seguro.
Também em Almeirim se aprendeu a fazer Vinhos Abafados e Adamados. Excelentes de qualidade, que nunca se consolidaram no mercado, apenas e somente, porque produzir para o Porto era um negócio rentável e seguro e ninguém arriscou em criar uma marca, que pudesse originar uma concorrência directa com os benditos compradores.
Tudo isto veio a dar origem a uma nova onda de emigração, que chegava a Almeirim.
Enquanto a primeira vaga de emigrantes, teve como estimulo a Obra da Vala, esta tinha como estímulo o fabrico e o negócio do Vinho e da Aguardente.
Muitos dos antigos emigrantes, passaram para este negócio como o António Catrola, ou o Prudêncio Santos e fizeram fortunas. Outros foram novos emigrantes que chegavam, já com experiência no mercado e também passaram a ser grandes senhores da terra, como Francisco Marques da Cruz.
Mas para além destes, toda a população beneficiou. Almeirim iria iniciar um período de desenvolvimento extraordinário. A Vila Real, passava a ser uma verdadeira Capital do Vinho.
Com o dinheiro acumulado pelas tarefas temporárias no Dão e no Douro, muitos tabalhdores rurais tiveram condições para adquirir o seu palmo de terra, em especial na charneca e assim se consolidou a classe dominante e de excelência…os Fazendeiros de Almeirim…os heróis da recuperação da vinicultura portuguesa.

A praga devastadora e a crise social - História de Almeirim (26)



Foi na partir do final da década de setenta do século XIX , que surgiu a praga devastadora que matou lentamente uma boa parte dos vinhedos de Portugal.
A Filoxera trouxe uma originou uma grave crise social, pois as vinhas progressivamente foram definhando e lentamente a sua produtividade ia decrescendo.
Cultura que sustentava muita gente, por ser exigente em mão de obra, a crise foi lenta mas muito grave. Os proprietários perdiam a motivação e a capacidade de continuar a contratar os trabalhadores.
A Filoxera foi provocada por um insecto, que se alimentava das raízes das plantas. Os terrenos de aluvião e as vinhas novas e tenras do campo de Almeirim, eram assim um meio muito propício ao desenvolvimento da praga. A praga que na região, apareceu inicialmente na zona de Alenquer, rapidamente se alastrou aos campos do Ribatejo e aí teve um efeito muito rápido e devastador.
Os senhores fidalgos, que também empobreciam, mas que tinham consciência social e preocupações em manter os seus assalariados, criaram a partir de então uma dinâmica que promoveu uma identidade regional, de grande significado. Não tendo dinheiro, mas querendo manter os serviços dos seus empregados, cediam terras em contrapartida dos seus serviços. Os foros cedidos desta forma e originados pela generalizada crise, vieram a criar várias localidades, as Fazendas de Almeirim, os Foros de Benfica, o Casalinho…e mesmo a possibilidade de alargamento urbano nas Vilas de Alpiarça e Almeirim.
Mas o mais significativo, foi que esse processo deu origem a uma classe social, que passou em poucos anos a ser a classe dominante e a mais característica. Os Fazendeiros de Almeirim.
Uma feliz coincidência veio a permitir que Almeirim, passasse a ser o cento nacional da luta contra esta praga devastadora das vinhas de Portugal.
Manuel de Andrade, era filho de uma senhora de Alenquer e aí tinha família também ligada à vinicultura. Ele que tinha sido o responsável geral da obra da Vala, era agora também proprietário vinicultor e simultaneamente administrador do maior proprietário de Almeirim, o Conde da Taipa. Foi através da informação recolhida de seus familiares de Alenquer que conheceu que havia uma forma de combate eficaz à doença devastadora. Através da técnica de enxertia em bacelos de origem americana, resistentes ao ataque dos insectos. Como era uma pessoa decidida e tinha contactos, foi o primeiro a importar de França estes bacelos e a usar a técnica da enxertia.
Nem todos o seguiram inicialmente, preferindo a manutenção das plantações e utilizando o uso de tratamentos com base em sulfitações. Manuel de Andrade antecipou-se e passados poucos anos as suas vinhas encantavam pelo seu vigor e enriqueciam-no através da sua produtividade.
A técnica da enxertia introduzida pelo antigo valador, veio a ser o único método eficaz para a salvação da vinicultura nacional.
Foi por este facto que o Rei D. Luís I, o quis agraciar com um título nobiliárquico, que recusou preferindo manter a sua condição de humildade. Mas este episódio acabou por ser conhecido nacionalmente, pois foi relatado já após a sua morte num órgão de comunicação social de expressão nacional, a Revista Comércio e Indústria.
Almeirim, conseguiu ultrapassar a crise e voltou a ter na vinha e no vinho, a motivação para o seu desenvolvimento.
Mas mais ainda, como narraremos mais adiante, Almeirim e os Fazendeiros de Almeirim, foram determinantes para a recuperação da viti-vinicultura portuguesa e muito especialmente para a reconversão que posteriormente veio a ter lugar dos vinhedos do Douro, salvando-se assim esse importantíssimo património nacional que é o Vinho do Porto.

Os primeiros Emigrantes - História de Almeirim (25)



A primeira vaga de emigrantes com significado, chega a Almeirim através desta dupla motivação.
A obra do Vale do Tejo, que tinha a sua sede e coordenação na Vila, em simultâneo com a necessidade de mão de obra para a cultura da Vinha.
Acontece a partir da segunda metade dos anos cinquenta do século XIX.
Entre estes emigrantes, surgem desde logo, alguns com instrução e qualificação profissional.
O Coronel Júlio Guerra recruta para a sua equipe, pessoas que já conhecia, ou por terem feito a tropa sob as suas ordens, ou porque já haviam participado em outras do mesmo género, que ele coordenara. Uma equipe de jovens originários do Vale do Mondego ou da zona de Minde.
Nomeou como principal responsável dessa obra, um jovem, mas já experiente, que conhecia bem, chamado Manoel de Andrade. Este era natural de Paião, Concelho da Figueira da Foz e já exercia uma actividade própria como “Valador”, ou seja construtor civil de obras de hidráulica agrícola, na região do Baixo Mondego. Tinha feito a tropa integrado no Batalhão do Coronel Júlio Guerra em Coimbra.
O curso da antiga Vala (Alpiaçoulo) foi alterado e uma nova linha de água foi construída, a Vala de Alpiarça. Foram construídas três pontes e duas novas estradas. A ponte de Alpiarça, a ponte de Benfica do Ribatejo (a última a ser construída) e a nova Ponte de Almeirim (a Ponte Velha). Duas estradas passaram a ligar a Ponte de Alpiarça e a Ponte de Almeirim, directamente à Tapada, onde então já estava situado um dos estaleiros para a construção da Ponte D. Luiz I.
Com a mudança do curso da antiga Vala, fica liberto muito terreno, que passa a ser considerado público. Esses terrenos são divididos em lotes, são faixas paralelas entre a antiga linha de água e a moderna. Esses lotes, são numerados e colocados á venda em hasta pública. São vários o emigrantes, responsáveis e trabalhadores da obra, que compram esses lotes. Ainda hoje, muitas propriedades, têm o nome de registo decorrente da numeração de lote que lhe foi atribuída. Os “Vinte Cinco”, os “Catorze”, os “Dezoito”, outras já não têm essa identificação através de números, porque os seus novos proprietários, lhe deram outros nomes no acto de registo.
A década de sessenta, inicia uma mudança radical na Vila Real de Almeirim. Novas gentes e nova motivação, mais visitantes pela nova acessibilidade. Muitos dos que vieram para a obra, ao adquirirem património, consolidaram-se como vinicultores e em Almeirim passaram a viver para sempre. Outros que perante o desenvolvimento, que tudo isto proporcionava, abraçaram outros ofícios ou criaram actividades de comércio. Muitos deles, acabaram também por constituir família por casamento, ligando-se às famílias locais.
Nessa época com a Vala Nova, também se instalam junto a ela, alguns pescadores “Avieiros”, que construíram pequena aldeias “palafíticas”, sobretudo entre Almeirim e Benfica do Ribatejo. Eram eles, que forneciam peixe fresco ao mercado de Almeirim. Também destes há muitos descendentes em Almeirim.
São estes novos emigrantes chegados a Almeirim desde a década de sessenta do século XIX, que irão estar na base de toda a evolução da Vila Real, para a Vila Vitivinícola e de toda a incrível evolução e desenvolvimento, que protagonizaram.
A Vinha foi a motivação. Almeirim crescia e desenvolvia-se, sustentada numa corrida á oportunidade de riqueza que o Vinho e a Aguardente, proporcionava.
Fazer um trabalho consistente de busca e pesquisa dos nomes, das suas origens das suas raízes, da sua obra e actividades, da sua ascendência e descendência, é um dos primeiros objectivos do projecto a que chamamos “Plataforma de Almeirim”. Será pois um contributo, a que todos podem dar a sua colaboração, através da sua informação familiar, que contribuirá em muito para motivar o “orgulho de ser almeirinense” e para a recuperação da nossa memória colectiva. Será um projecto de todas as famílias e de toda a sociedade civil de Almeirim. Um projecto histórico e cultural que permitirá uma nova “identificação” de cada um de nós, e uma reforçada ligação afectiva à nossa terra.

O Milagre da Vinha- História de Almeirim (24)



A Vinhas plantadas no campo, foram um sucesso produtivo de grande significado. O sucesso das experiências do Visconde da Junqueira, na Alorna, levou todos os grandes proprietários, a seguir o seu exemplo.
A casta Fernão Pires passou a ser a heroína da produtividade vinícola nacional.
Em meados dos anos cinquenta do século XIX, já as vinhas tinham uma grande expansão no campo de Almeirim. Foi a partir de aqui que se expandiram para os restantes concelhos onde havia também campos de aluvião.
O Duque de Cadaval planta vinhas nas suas propriedades de Salvaterra e Benavente. O Duque de Palmela em Alpiarça e Chamusca. Ainda em Alpiarça, a família Sousa Falcão faz enormes plantações. O Barão de Almeirim leva a cultura para o Rossio da Ribeira de Santarém e Alcanhões. O Conde da Taipa, assume-se como grande vinicultor em Almeirim e planta a vinha nas terras de sua mulher, a Condessa de Valada, no aluvião da margem direita do Tejo, no Concelho do Cartaxo. Ainda o Conde da Atalaia, cuja sede de Casa Agrícola era a Quinta de Santa Marta, em Benfica, implanta aí a cultura e também nas terras que possuía no Concelho de Santarém e Cartaxo. O Conde de Sobral e o Conde da Torre também aderem à dinâmica e nas suas propriedades do Casal Branco e da Gouxaria instalam vinhas e adegas.
É assim a partir de Almeirim, que a vinha se expande e divulga por todo o Ribatejo. Esta nova actividade com elevado interesse económico vai originar decisões políticas de elevado interesse regional.
A influência dos nobres proprietários de Almeirim, associada ao seu interesse pela nova cultura que estava em franca expansão, pressiona a decisão de o Governo levar a cabo a grande obra de defesa e drenagem dos campos do vale do Tejo.
O Coronel Manuel José Júlio Guerra é nomeado como responsável pelo reconhecimento do terreno e como coordenador da obra e instala-se em Almeirim, em instalações cedidas pelo Conde da Taipa. É o este grupo do Coronel Júlio Guerra que faz o primeiro levantamento cartográfico de Almeirim e publica a primeira planta da Vila Real.
Com o início desta obra, a que normalmente chamamos, de uma forma redutora, “ a construção da Vala de Alpiarça”, chega a primeira grande onda de emigrantes, que para ela vieram trabalhar e em que a maioria se instala definitivamente em Almeirim. No entanto para que fique mas claro o interesse público dessa obra, é importante referir que foram recuperados algumas centenas de hectares de terras pantanosas, que foram realizados vários diques que ainda hoje defendem o campo dos aumentos de caudais do Tejo, que foi regularizado o leito do Tejo, do Alpiaçôlo (Vala de Alpiarça) e da Vala Real (Vale de Santarém), em que foram também construídas novas pontes e estradas. Foi uma obra de grande importância e envergadura que se prolongou por cerca de duas décadas, como se comprova pela data ainda visível (1876), colocada na ponte de Benfica do Ribatejo.
Mas esta dinâmica económica, também influenciada pelo interesse directo dos nobres proprietários, veio a ocasionar uma outra obra, que possibilitou toda a nova vocação de Almeirim e passou a ser determinante para o seu desenvolvimento económico e social.
Foi a decisão de realizar a primeira ponte viária sobre o Tejo, precisamente entre Santarém e Almeirim. Essa decisão está indiscutivelmente ligada ao reconhecimento politico na época de que a Vila Real de Almeirim, era agora a protagonista de uma dinâmica económica que havia que apoiar. Com a nova Ponte, D. Luís I, Almeirim ficava ligada directamente por via viária e rápida ao Caminho de Ferro, pois entretanto também a linha do Norte tinha sido construída.
Almeirim estava agora ligada ao mercado de todo o território, estava eliminado todo o seu isolamento, precisamente quando encontrou a sua nova vocação. Todas as portas para o seu desnvolvimento tinham sido abertas.